Quem é Malu Jimenez?
Qual reflexão ela propõe a suas leitoras através de seus textos?
Em primeira pessoa, por ela mesma:
A curiosidade sobre o mundo levou-me a fazer Filosofia. Sempre fui uma menina muleka (aqui, posso e quero inventar maneiras de escrever palavras), que gostava de contar histórias e explorar o mundo. Inventar e conhecer coisas novas, isso sempre esteve presente na minha caminhada.
Paulistana de alma Chapadense
Sou a terceira filha de imigrantes espanhóis que fugiam da fome e pobreza de Andaluzia, na década de 60, na Espanha. Meu pai veio primeiro e, depois, casou-se com minha mãe; os dois foram morar no centro de São Paulo. Sou paulistana da gema, mas, assim que pude, fugi de lá. Eu gosto de roça, barulho de passarinho e conversar debaixo de árvore que faz sombra.

Infância tranquila
Tive uma infância tranquila, com muita brincadeira na rua, bicicleta e carrinho de rolimã num bairro da zona oeste de Sampa, Butantã, onde as ruas ainda eram de terra e as crianças ocupavam os terrenos baldios pra brincar de esconde-esconde, pega-pega e todas essas brincadeiras que há tempo não vejo muito por lá e nem por aqui. São Paulo já teve isso.

Conhecendo o machismo muito cedo
Na década de 80, meus pais entraram numa seita e se mudaram para a Baixada Fluminense, em Vila de Cava. Por este motivo, fiquei alguns anos sem estudar. Aos 13 anos, fui morar com um homem 10 anos mais velho que eu, então saí de casa muito cedo e entendi o machismo também. Aos 17, comecei a entender que aquilo ali não era legal pra mim. Voltei para São Paulo para trabalhar e estudar, morei em pensionatos, trabalhei em subempregos, fui muito explorada e humilhada, até que entendi que, como mulher inquieta e pobre, precisava estudar e tentar reverter aquela situação.

Renascendo através da Filosofia
Com muita dificuldade, fazia supletivo à noite, trabalhando o dia todo; eu saía de casa às cinco horas da manhã e chegava somente à meia-noite, todos os dias da semana. Consegui, assim, terminar o ensino fundamental. Num ensino médio público profissionalizante, no bairro do Ipiranga, conheci um professor de filosofia que me apoiou e incentivou minhas curiosidades, insatisfações e críticas acerca das desigualdades que vinha experimentando durante toda a minha vida.
Aos 23 anos, prestei UNESP e entrei para o curso de Filosofia no interior de São Paulo, em Marília, e em 1998 me formei. Foi lá que comecei a entender alguns problemas sociais e que eu fazia parte deles. Minha visão de mundo e de mim mesma se modificou completamente. O feminismo, que já fazia parte da minha vida, começou a fazer muito mais sentido.

Desde a graduação meus interesses sempre estiveram relacionados ao ser mulher, à sociologia, teoria do conhecimento e artes, principalmente à literatura e ao teatro, e essas áreas estão ligadas, de alguma maneira, a minhas pesquisas e discussões durante a vida. Depois de formada, dei aulas de filosofia e sociologia, desenvolvi alguns trabalhos com juventude indígena dentro e fora das escolas caiçaras na região do litoral norte de São Paulo.
Estudar na Espanha resgatou minha história
Recebi um convite para morar na Espanha, em Granada, cidade natal de minha mãe. Morar em Andaluzia foi uma redescoberta de mim mesma e meus antepassados. Conheci mais de perto a minha família materna e a paterna, pude viajar por toda a região e conhecer de onde vieram meus pais e suas culturas; muita coisa começou a fazer sentido na construção de minha história e do Brasil que eu vivia.
Malu Jimenez durante sua passagem pela Espanhã. Malu Jimenez durante sua passagem pela Espanhã. Malu Jimenez, na Espanhã – Fotos: Arquivo pessoal.
Na Universidad de Granada, homologuei meu título de filósofa, e foi nessa busca que conheci mais de perto a Antropologia Filosófica e Cultural. Entrei para o doutorado em Antropologia Cultural na mesma universidade para estudar juventude indígena brasileira.
Aprendendo com outras mulheres e culturas
Nessa caminhada, conheci um cozinheiro Vasco. Juntamos nossos sonhos e viemos para Mato Grosso fazer trabalho de campo com juventude indígena bororo, com foco em mulheres. Conheci o feminismo indígena da região, me apaixonei mais uma vez por mulheres, me envolvendo com alguns projetos e histórias de vida.
Morar num paraíso me fortaleceu
Moro em Chapada dos Guimarães há dez anos, por escolha. Sou professora de ensino médio (e com muito orgulho de minha prática), dou aulas de filosofia, sociologia, redação e literatura. Gosto de trabalhar com teatro e educação emocional dentro das escolas.

Meu primeiro livro: mulheres e saberes subalternos
Fiz mestrado em Estudos de Cultura Contemporânea — ECCO pela Universidade Federal de Mato Grosso – UFMT, e minha pesquisa se voltou para os saberes e sabores subalternos, comecei a desenvolver a escrita em primeira pessoa. Com a dissertação Domésticas: cotidianos na comensalidade ganhei o edital de publicação de livro da Editora Letramento em Belo Horizonte.

Lute como uma gorda
Acabei de defender meu doutorado interdisciplinar em Cultura Contemporânea pela UFMT. Pesquisei mulheres gordas, gordofobia, resistências e ativismos através da autoetnografia, com tese intitulada lute como uma gorda: gordofobia, resistências e ativismos.

Como resultado dessa pesquisa, idealizei o projeto/ação lute como uma gorda, com o propósito de levar para fora da academia a discussão sobre gordofobia e os corpos gordos femininos. Sou fundadora do Grupo de Estudos Transdisciplinares do Corpo Gordo no Brasil e venho me destacando como uma importante voz sobre os estudos do corpo gordo feminino no país. Ano passado, fui convidada pelo coletivo “Gordas sin Chaquetas”, de Bogotá, Colômbia, para colaborar na organização e participar do primeiro Encontro de Ativismos Gorde da América Latina, em novembro de 2019.

Essas pesquisas transformaram minha vida e minha vida transformou minhas pesquisas. Sempre senti a necessidade, desde a graduação, de levar nossas discussões acadêmicas para além dos muros da universidade, partilhar com a população o que estudamos e a importância desses estudos para nossa sociedade.
Esse sonho pode se concretizar com o projeto lute como uma gorda, no qual a questão central de todas as ações é provocar reflexões sobre a estigmatização do corpo gordo feminino em sociedade e suas consequências.
As sementes começam a crescer e dar frutos
Como forma de chamar a atenção para as questões da gordofobia em nossa sociedade, desenvolvemos rodas de conversa, workshops, cursos e minicursos, ofertamos assessoria para profissionais de diversas áreas e distribuição de cartilhas informativas, publicamos artigos e conteúdo em redes sociais, oferecemos palestras e eventos, damos apoio a mulheres gordas.
Roda de conversa do projeto Lute como uma Gorda – foto: @juqueirozfotografia Oficina Lute como uma Gordinha – foto:@bealpriscila
Projetos como este são muito importantes, porque podem levar para qualquer pessoa amostras de que as pesquisas realizadas dentro das universidades públicas ajudam a construir um mundo mais justo, com menos prejulgamentos, podendo transformar realidades de tristeza e dor em vidas mais alegres!
1º coletivo feminista gordo em Cuiabá
Felizmente o projeto tomou uma dimensão além de Cuiabá e região, e, nos últimos meses, tenho visitado outros estados, falando sobre gordofobia, resistências e ativismo, dentro e fora da universidade. Hoje, de uma maneira didática e simples, levo essa discussão para diversos espaços e o retorno tem sido muito gratificante, como a criação de um coletivo feminista em Cuiabá, as Gordas Xômanas, composto por mulheres dispostas a conhecer mais e valorizar seus corpos gordos, superar a estigmatização — que causa traumas e fobias, para o empoderamento através do conhecimento.

Agora, no Guru da Cidade
Nesta coluna, levantarei todas essas discussões, e se houver o sentimento e a necessidade de falar sobre outras questões, como mulher, padrões de beleza, feminismo, gordofobia, acessibilidade, empoderamento, estudos do corpo gordo, filosofia, educação, ativismos, irei expor aqui.
Também aceito sugestões. Se vocês quiserem saber mais de algum tema ou situação, e eu tiver uma ideia crítica formada sobre o assunto, com certeza escreverei a respeito dele. Espero que juntas possamos construir um mundo menos gordofóbico e cruel na vigilância dos corpos femininos. Aguardem!
MALU JIMENEZ
Malu Jimenez é gorda, filósofa feminista, doutora em Gordofobia no Programa de Pós Graduação em Estudos de Cultura Contemporânea na UFMT, fundadora do grupo de estudos transdisciplinares do corpo gordo no Brasil, idealizadora do projeto LUTE COMO UMA GORDA, coordena as redes sociais estudos do corpo gordo feminino, faz parte do coletivo feminista GORDAS XÔMANAS em Cuiabá, Mato Grosso e é colaboradora escritora no Todas Fridas e no Margens. Faz o programa PESQUISA GORDA no youtube e podcast.
Collab
Este texto resulta da parceria entre mulheres gordas: pensado e escrito por Malu Jimenez e revisado por Gaia Revisa (gaiarevisa@gmail.com).
SAIBA MAIS:
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Blog Lute Como uma Gorda
Portfolio Lute Como uma Gorda
E-mail: Llutecomoumagorda@gmail.com